terça-feira, 8 de março de 2011

“CAMINHADAS”

Apetecia-me caminhar…
Caminhar ao encontro de lugares onde pudesse admirar a natureza no seu estado mais genuíno.
Depois de percorrer todas as redondezas e, por vezes só, parava... Admirava as raras árvores (freixos) e algumas figueiras com frutos a amadurarem, que se misturavam com alguns marmeleiros, que amanhã seriam responsáveis pela muita marmelada que as mulheres da aldeia iriam fazer. Tal preciosidade, depois de confeccionada, iria ser posta em tigelas de porcelana, compradas na feira e tapadas com papel vegetal. Iriam ter os mais diversos destinos.
- Levem, levem, meus filhos!
Juntamente com as batatas, os carrapatos[1], os garavanços[2], o azeite, a abóbora, o vinho, a jeropiga, água-pé, cebolas, alhos, queijos, chouriças, morcelas de sangue com mel, requeijão, soro, as lembranças para os netos, e mais o milagre… de tudo caber no carro. Mais a bagagem que teria de voltar!
 Escutava as aves que se misturavam com as silvas carregadas de amoras. Os pássaros pareciam assustadiços; davam à asa logo que pressentiam barulhos que não eram de lá.
 Uma ou outra arriscava o canto! As cegonhas, mais ao longe, de pé sobre os ninhos, pareciam curiosas. Matraqueavam…
Depois de terem sido percorridos os caminhos da Santinha, Sapeira, Vale de STª. Marinha, Vale das Fontes, Fonte Grande, Urze, Rodel Cordeiro, a mais admirada das tapadas, Hortas de Vale de Raimundo a caminho de Nave Redonda e admirar a Cruz de Pedro Jacques de Magalhães que assinala a famosa batalha da Salgadela ou de Castelo Rodrigo, do tempo da Restauração da Independência de Portugal e até as sepulturas antropomórficas esculpidas no granito, anteriores aos romanos, muito perto do lagar de azeite, apetecia percorrer outros trilhos…
 Por que não até às arribas? Sim, lá para os lados do Rio Águeda?
- Queres vir? – o rapaz que estava enfronhado nos seus pensamentos, depois de hesitar,  apertou os nagalhos das sapatilhas de marca e resolveu tirar as nalgas do poial junto à porta dos avós e predispôs-se a dar à sola, não muito convencido.
- Vamos pela Carvalheira – atirou o tio.
Junto ao café, estavam os raparigos[3] que se encontravam de férias, sentados nos muretes dos bebedouros, onde as vacas, machos, ovelhas e burros saciavam a sede. E alguns pastores passavam as mãos por água e até lavavam o rosto já cansado!
Ao deixarmos as casas para trás, apareciam as tapadas feitas com muros de pedras sem argamassa e muitos prédios (terrenos sem muros), uns porque nunca se sentiram cercados e outros porque os seus donos começaram a vender as pedras de granito aos espanhóis. Quantas vendas!…
Enfeitavam os caminhos, os espinheiros bravos de flor branca e os pernoeiros que picavam sem dó e que se enfeitavam de flores amarelas desafiando os incautos curiosos.
Entre alguns carrascos e freixos, lá apareciam nos raros riachos, os saborosos poejos que eram comidos frescos em saladas ou chá quando secos; as famosas morujas apanhadas nos alvanares[4] onde as águas se tornavam mais límpidas, as azedas cabreiras miudinhas a nascerem junto às paredes protegidas por silvas e ainda as azedas compridas nascidas entre os fenos. Saladas sempre desejadas por quem chegava à aldeia, cioso de saciar-se com sabores que lhe faziam lembrar a infância. Eram comidas em pequenos molhos que se mergulhavam na malga com água, azeite e sal, acompanhadas por fatias dos grandes pães de centeio ou trigo, cozidos em fornos comunitários e fabricados pelas mulheres da aldeia. As saborosas azeitonas, retalhadas nos longos serões de Inverno à volta da lareira, que ainda aquecia água em panelas de ferro, eram o complemento constante dos petiscos.
Alguns caminhos tinham as marcas das rodeiras feitas pelos carros puxados por mulas.
- Arre cá, matcho!... - incitava o dono, quando o animal era obrigado a dar à anca em esforço, para responder ao puxar das rédeas e vencer a resistência de rochas que mostravam a crista entre os carreiros estreitos, emparedados por blocos de granito.
 Caminhos “semeados” de caganitas de ovelhas e bonicas das vacas, polvilhados de pequenos calhaus que eram chutados constantemente pelo jovem rapaz que não tirava os olhos do chão.
Por vezes, desviava-se dos “caroços de azeitona”, assim pareciam… não fosse alguma distracção pregar-lhe uma partida e tingir o seu calçado de estimação.
Quantos caminhos, caminhados… Percorridos e ficado para trás, tinham sido o Azeitairo, Monte, Caleiras, Pisões e aproximava-se a Horta da Senhora.
Era uma tapada bafejada pela natureza, salpicada de cardos floridos de cor azul. Com um lago artificial e que cercava um conjunto de póios que bem pareciam altares onde o gado bovino estava empoleirado e parecia espreitar a paisagem. Talvez a admirar o voo das abetardas que ignorando as linhas de fronteira, tratavam de sobrevoar as margens do rio para garantirem a sobrevivência!
- Onde estariam as oliveiras e as colmeias de que tanto se falava?
- Mais adiante, em terras de Maria Centeia.
- Continuamos?
- Ainda falta muito?
- Quando chegarmos à Broeira, já se verá o rio.
Ainda faltava mais muito!...
A máquina fotográfica tinha feito o registo das cores e sons da natureza, para quem não vira!...


* Conto de vivências em Terras de Riba Côa, na raia do Nordeste Beirão.
 
                                       - Mata de Lobos -
(Aluno da EICL)


[1] Feijão-frade.
[2] Grão-de-bico.
[3] Rapazes e raparigas de tenra idade.
[4] Buracos com pedras de onde brota água límpida.

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