terça-feira, 15 de março de 2011

CARTA A UM AMIGO AUSENTE

Meu caríssimo Jorge,

Já faz muito tempo que queria escrever-te esta carta, mas até agora, nunca tinha conseguido passar da primeira linha. Algo o impedia. Não sei se era o nó na garganta que sempre se instala quando me lembro de ti ou a avalanche de recordações que inevitavelmente ocupam a minha mente. Mas parece que agora consigo. Sabes, o tempo faz serenar a dor, e, a pena, com o tempo, parece transformar-se em saudade, esse doce sofrer, tão arraigado nas almas lusitanas.
Tiveste pressa em partir. E aos amigos que escolheram terras distantes para viver, não disseste nada. Simplesmente partiste. Eu queria fazer-te uma surpresa, mas quem amargamente se surpreendeu fui eu com a notícia da tua viagem definitiva.
Claro que o “Zeca” és tu. Todos os amigos daquele nosso tempo, que leram o meu primeiro livro, o nosso “Lobito”, souberam de imediato que eras tu. Mudei-te o nome e retoquei alguns detalhes sem importância. Mas o fundamental está lá. Tu, Jorge, que foste o meu melhor amigo dos tempos de juventude, ainda vives nas páginas do livro.
E também me lembrei dos teus queridos pais, as pessoas mais amáveis que eu conheci na vida. Recordo com carinho a doçura do falar da tua mãe, e a simpatia e a serenidade do senhor Alfredo Pereira, teu pai e meu amigo.
Não imaginas como me diverti na construção de cada página. Mesmo sem saberes, enquanto a caneta corria solta pelo papel, quase sempre estiveste ao meu lado. Algumas vezes rimos juntos, naquelas passagens mais alegres e triviais, e outras vezes compartilhámos as mesmas angústias. Afinal, falo da época em que tínhamos dezoito anos e éramos amigos inseparáveis. E tu és o único protagonista da história que não foi inventado. Estás lá tal como eras. Divertido, amante da vida, sonhador, gente boa e sobretudo, amigo.
Recordo as tuas sonoras gargalhadas, que sempre transmitiam optimismo e alegria. Recordo o tempo das nossas descobertas, quando deixávamos de ser meninos e começávamos a entrar no mundo complicado dos adultos. Recordo as nossas conversas pela madrugada fora, às portas do Pic-Nic. Éramos quase sempre seis ou sete, menos às segundas-feiras, quando a análise obrigatória da jornada futebolística do domingo, podia congregar uma dúzia ou mais de entusiasmados analistas. Mas nós não falávamos só de futebol e de miúdas. Muitas vezes abordávamos outros assuntos, mais sérios. Eu e tu estávamos sempre de acordo e tínhamos sempre razão. E o tempo demonstrou-nos quão fugazes são as certezas da juventude.
Acabávamos de cumprir o serviço militar e colocávamos a primeira pedra nos pilares da nossa vida de jovens adultos, quando um ciclone de dimensões históricas nos empurrou com força pelas costas. Quando acordámos da tormenta, já nada era igual, e, cada um tinha encontrado um porto de abrigo diferente. Encontrei o meu do outro lado do Atlântico. Tu preferiste, ou as circunstâncias assim determinaram, ficar por estas terras, onde o Infante D. Henrique, o nosso único herói que vale a pena, um dia sonhou com grandeza, o que, como vês, não passou de um sonho.
O tempo e a distância curam a dor, o desamor, o ódio e o sofrimento, empequenecem a paixão e o amor, mas nada faz estremecer uma amizade verdadeira, nascida na meninice e alimentada nas inconstâncias da juventude.
Jorge, meu querido amigo, descansa em paz. Toninho.

António Mateus

Aluno da EICL

Sem comentários:

Enviar um comentário