sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Do LOBITO à AAPAL


África entra-nos no sangue, palpita-nos no coração, chora-nos no olhar e vive ainda em nós. É todo um céu imenso, luminoso; o mar manso e azul, prenhe de vida; um sol loiro e um poente que nos prende até ao instante em que mar e céu se fundem. É toda uma terra verde quente, mágica e envolvente, límpida e misteriosa. É o ondular das palmeiras, do capim; o aroma do maboque, do caju, do tamarindo; o imbondeiro, o quimbanda, o muquixe, a fuba, o quiabo, a manga; a rosa de porcelana, a welwitschia, a buganvília, o coqueiro. São formas, aromas, sons, cores que nos calaram bem dentro e ainda nos unem e fazem suspirar.

A vivência africana não foi igual para todos porque Namibe, Huíla, “terras do fim do mundo”, Huambo, Luanda, Bié, Malanje, Sumbe, Benguela e Lobito eram díspares, mas tudo Angola e à volta a tinta azul forte do mar onde os seixos da barra do Kwanza, Baía dos Tigres, ilha de Luanda, Baía Azul, Caotinha, restinga do Lobito namoravam o cristal daquelas águas como o canavial da Catumbela beijava o caminho até ao LOBITO, cidade pequena, encaracolada e lisa como os cabelos das mulheres e homens que hoje são os miúdos de ontem. Da sanzala à restinga a cidade despia-se sem pudor no feitiço de encantar o oceano bordejando o areal imenso que tornava todos iguais…
Isto é passado, memória, recordação.

A AAPAL é presente e futuro.
E depois das más memórias lavadas pelos sorrisos e das mágoas transmudadas em esperança durante 25 anos – sim, um quarto de século, pois é – um grupo dos nossos miúdos de então conseguiu erguer e manter viva toda a cidade que nos viu crescer. Sim, porque nós também crescemos como eles e com eles. E como alguns deles são bem maiores do que muitos de nós! E este crescer não pode acabar. A aprendizagem contínua da vida ensina-nos a dar as mãos, abraçar, levantar do chão o que cai, consolar o que chora, ter consciência de que o Sol nasce mesmo para todos e se a nossa felicidade depende do aprender a viver com aquilo que temos, então tentemos, ao menos, ser todos menos diferentes, mais solidários para que na nossa noite haja sempre luar.
É necessária muita fé, força e esperança para fazer avançar o sonho durante vinte e cinco anos e criar esta Associação. Bem hajam por terem acreditado que podiam transplantar o Lobito para Portugal!
Éramos meninos, jovens, mulheres e homens e continuamos mulheres e homens nas asas do sonho, já com rugas e cãs mas… os mesmos. Se não se deve acordar o leão que dorme – a força – também não se pode deixar morrer a criança que fomos – a alegria. Ai de nós quando isso sucede!
Voltemos para as aulas, para a praia, para os mangais, para o circuito automóvel, para o Carnaval, para as marchas do Lobito!
Por tudo isto bem vinda AAPAL!
Acolhi-a de coração e mãos abertos porque solidariedade não pode ser um vocábulo “na moda”, muito “politicamente correto” como se diz . Muitas vezes não passa disso mesmo…
A ideia da Associação tem pernas para andar mas… quem gosta, consegue ou quer caminhar sempre só?
Qualquer ideia, como uma semente, nunca passará de ideia ou semente, se não for alimentada, adubada, ativada, acarinhada. Se assim não for jamais passará de um lindo sonho, um fogo-fátuo. Como não somos um sonho, somos reais, devemos olhar à volta e, esquecendo tudo o que é mágoa ou preconceito, apoiar esta iniciativa; colaborar e não ficar na expectativa daquilo que o outro fará por ser mais cómodo. Cada um de nós deve avançar como pode – já não digo como quer - porque “querer é poder” se aproxima bastante da utopia. Não éramos desvalidos, não o somos. A cidadania, a cultura comportam o saber dar. Dividimos o saber; dividamos o pão, a alegria. Há antigos alunos e professores em dificuldades. Continuemos a ser os Portugueses companheiros, acolhedores, amigos generosos que sempre fomos.
Foi este pulsar de carinho, fraternidade, dádiva, humanismo que me fez aderir à AAPAL.
Convívio não é só almoço, lanche, pé de dança. Isso é muito agradável e são mas não pode ficar por aí. Sei que há neste mundo tão rendido à matéria quem pense no seu semelhante. Pois há! E se continuamos a reunir-nos uma vez por ano, esse convívio não pode ser só uma meta mas também um ponto de partida para outros pequenos convívios, quotidianos ou não, em que ajudamos a segurar a asa de quem mal começou a voar até à daquele que já não pode com a sua. E se as forças já faltam e caímos? Caímos juntos, não deixamos o outro só no chão e reerguemo-nos. Nisto somos todos alunos e professores pois só esta união pode ser força.
África entra-nos no sangue, palpita-nos no coração, chora-nos no olhar e vive ainda em nós. É todo um céu imenso, luminoso; o mar Bem hajam por existirem, serem como são! Contem comigo!
Parabéns!



Professora na EICL, EP Afonso Henriques e Colégio Doroteias
(Texto editado ao abrigo do novo acordo ortográfico)

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