quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

KITANDA (*)

Lá de cima, via-se todo o panorama. Os botequins no sopé do morro, com muito movimento e onde todo o tipo de comércio se fazia. As lojas estavam cheias e os brancos, que vendiam, falavam a língua nativa que ajudava a convencer! A fuba, o chipoque, o pungo, os cambriquite, o sabão macaco, o óleo de palma, a jinguba, as farinha de mandioca com açúcar, os pano, também os petróleo para acender nos candeeiro, tudo dava para ganhar.
Em frente, as kitandeiras expunham os seus produtos nas bancas, colocados no chão. Nas terças e sábados, o movimento era muito porque era dia de kitanda.
Peixe seco, feijão macunde, quiabos, beringelas, batata doce e sua rama, maboque e loengos, rodelas de banana seca, dendém, fuba para fazer pirão e matete, massaroca, mandioca, gindungo, quissângua e até massambala! Também cachipembe que estava escondida e só era vendida se os sipaios não estavam à vista.
Também tinham criação, guardada na muhamba (grade feita em verga para transporte de galinhas) que de bico aberto e ofegante, esperava por novos donos.
Quase tudo era trazido das lavras e chitacas das margens do Catumbela. O pescoço suportava a quinda, de palha entrelaçada, pintada com as cores da esperança.
O peixe era bom. Era de Angola… Peixe-galo, peixe-espada, cachucho, garoupa, corvina, pescada… e as peixeiras repetiam, alegremente, os seus cantares, anunciando que o peixe era fresco e os angolares… poucos! As senhoras compravam.
Tudo se passava com um calor abrasador.
Um pouco mais afastado, à sombra de um tamarineiro, encontrava-se o costureiro Tonito Luquessi que dava ao pedal na sua Oliva antiga, comprada em segunda mão, à espera de freguesia para ganhar a vida. Fazia remendos com rapidez.
D. Zita de meia idade e avantajada, sentava o seu peso no Banco de bimba. Vestida de quimono de cores garridas e o seu lenço na cabeça a condizer, fumava cigarrilha, com o fogo virado para dentro, enquanto esfumaçava com o fumo.
Vendia cabaças e missangas.
Os cafecos de mamas espetadas, queriam comprar missangas. Então D. Zita explicava que os colares podiam ser usados no pescoço, pulsos ou tornozelos mas, se queriam dar nas vistas, podiam usar no braço, a meio palmo do sovaco.
D. Ximena, sua vizinha na kitanda, que de espampanante não tinha nada, não usava quimono nem vestido. Usava também cores garridas, mas nos panos que a vestiam a ela e ao filhote, que carregava nas costas. Vendia rama de batata-doce, rama de mandioca e também tomates cambuta. Não dava para fazer salada mas misturados com qualquer rama, dava sempre bom conduto.
Uma ou outra bengalinha cantava. Embora na gaiola apertada, na companhia de outros pássaros, embelezava o ambiente, respondendo ao caviro que à desgarrada replicava!
Debaixo das velhas gajageiras, meninos negros de carapinha poeirenta, brincavam com os seus carros de arame que, por vezes, empenavam. Outros roíam o catendo, duro de mais para o dente. Poucos, chupavam chupa-chupas comprados na venda do Senhor Manuel “Pestana” e que os amigos também provavam.
Zeferino, o miúdo que gostava de arranjar makas chutou a bola para a kitanda e logo foi ameaçado de "chicusso" por muita gente.
Zito, que não gostava de confusões, assoprava na gaita e produzia sons monocórdicos, que cansavam toda a gente.
A Fábrica da A.C.I.C., ali tão perto, mostrava progresso e fazia óleo de rícino, cujo cheiro escondia outros cheiros.
Na outra ponta da Vila, a fábrica da S.A.C. produzia açúcar e perfumava a terra com o cheiro do melaço.
Ainda lá de cima, via-se o sapateiro Marcolino que, sentado na esteira à frente da cubata, punha meias solas nos sapatos “dos minino que morava lá na vila perto da loja do Senhor J. Amaral”.
Com as missangas na mão, as meninas perguntavam como as haviam de usar. Havia tantas cores! O verde, vermelho, amarelo, azul e também… o preto, branco e castanho… difíceis de combinar.
D. Zita aconselhou que fossem ao Senhor Mestre Pensador porque ele de certeza que sabia.
Talvez!"




(*)Extraído do Livro “ÁFRICA, MAGIA DE MUNDOS DIFERENTES” de Joaquim Pedro Sousa, Aluno da ECL )
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