quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

SONHO DE MENINA

Íris era uma menina como tantas outras, brincalhona, viva, traquina e gulosa. Brincava de sol a sol; lembrava-se, por desfastio, dos livros da escola e arreliava a mãe, redimindo-se com beijos. Naquela cabecinha não cabia a tristeza e os seus olhos não choravam nunca a não ser por birra ou para desabafar de algum tabefe. Sonhava com borboletas de mil cores, arco-íris sobre os montes, bonecas que andam e falam e jardins com flores jamais murchas.
Mas, um dia, aquela boca de riso, aquele torvelinho de saias, deixou de sorrir, entristeceu. Ìris soube que no mundo havia muita coisa que ela desconhecia, lágrimas de dor, fome, sangue, ódio. Perdeu o seu riso de menina…Naquela tarde, de braço dado com a mãe, fez as compras do mês e, da montra daquela livraria trouxe a nuvem que lhe esconderia o sol e o riso. Nas páginas daquela revista – para gente grande – aprendeu a ler o mundo e começou a ter medo de ser criança.
Por que se matam os homens naquela guerra sem fim?
Por que se consomem as crianças no horror da fome?
E se destroem os homens na inveja, na ambição?
E tantas mãos estendidas em busca de agasalho?
Por que destrói tantas vidas a doença provocada pelos homens?
E tanta imprudência desfaz as vidas que mal desabrocharam?
E o horror duma inocência castigada em vez de livre?
Aferrolhar as moedas que podiam ser pão?
Tirar a liberdade só porque não se pensa igual?
Os lábios de Íris cerraram-se. A luz desapareceu dos seus olhos e o sorriso morreu na sua boca. A noite encontrou-a cansada, triste por tanta mágoa mas, o sono ajudou-a e, no sonho, voltou a ser menina de riso doce, meigo, traquina e gulosa.
Havia crianças em danças de roda e balões pelo ar!
Cestos com pão e doces para todos!
Amizade e igualdade sem cores nem condição!
Abundância e lar para os que nunca os tiveram!
Meninos alegres brincando no recreio das escolas!
Ruas seguras onde todos estão bem!
Vagir de bebés, o sol de duas vidas!
Satisfação de uma justiça feita sem inocência castigada!
A vida para cada um, tendo todos o seu mundo para viver em paz!
Íris! Que o teu sonho, que é o de todos nós, o seja do mundo inteiro e que os homens voltem a ser meninos!
É este o espírito do Natal!



NR: Texto escrito em Maio de 1970, para a Récita da Escola Preparatória Afonso Henriques. A narradora foi a Paula Silva e as intérpretes: Cristina, Helena, Clotilde, Vitória, Isabel, Ernestina, Ana Maria, Conceição e Cristina Betencourt. Texto e coreografia da Professora Sílvia Vieira.

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